sábado, 2 de julho de 2011

Da Janela

Andou até a escrivaninha, abriu a gaveta, pegou seu pequeno binóculo, apagou as luzes, aumentou o volume do som, puxou uma cadeira até a janela, sentou-se.

Como a vida é interessante, não? Olhando da janela, o prédio da frente. A costureira como de costume assistia a TV e costurava suas peças, a sala continuava bagunçada e mesmo com uma noite agradável daquelas ela continuava vestindo blusas de frio pesadas e gorro na cabeça loura, ela deveria ter quase 60 anos. Sua vida se passava em frente a televisão de tela planas de cores vibrantes, dá pra assistir daqui, pensa. Desvia o pequeno instrumento para o apartamento do lado, as irmãs, uma mais velha outra mais nova riem com a amiga residente, outro dia as duas brigavam, briga feia, pensa. A amiga aproveita a bela vista e fotografa, estão esperando uma segunda amiga? Vão sair, é sexta-feira, é noite. A primeira irmã sobe, troca de blusa, borrifa seu perfume, desce.

Sair  com os amigos... Mas, pra quê? Minha casa tão seguro, tão seguro. Não preciso sair agora, aqui é seguro, estou feliz aqui.., Olha a janela do lado. Sua casa preferida. Um casal gay, amigos excêntricos, uma companhia diferente a cada dia, luz de velas, incríveis, incríveis! Um é mais baixo, tem os cabelos tão pretos e brilhantes pouco acima dos ombros, corte legal, roupas legas, nunca reparou direito. O outro, o homem alto, bem alto, trabalha sempre até tarde, óculos, roupão florido, flores grandes, fundo azul marinho, azaleias vermelhas. Pena que não dá pra ver tudo! Uma pena, pensa. A casa deles, iluminada a luz de velas, como de costume, muitos quadros nas paredes, uma casa bem decorada, artigos e móveis de madeira escura. Sempre tomando vinho, o indispensável vinho de todos os dias. Essa noite era especial, eles dançavam, juntos, uma valsa simples, apaixonada, música antiga. É...

Nenhuma amiga hoje, só eles... Eu poderia ter algumas amigas, não, não, sem amigos, amigos, certo medo. Medo. Não quer sentir medo. Medo. Para e  reflete, não quer pensar na palavra, na sensação, a sensação de sufoco que chega toda vez que pensa em medo, falta de ar, tremor. Estica a mão sobre a mesa ao lado, toma seu medicamento. Tudo ia ficar bem agora. Tudo. Bem. Voltou a olhar a janela. Os namorados dançam.

Levanta, troca o CD,  Abbey Road, Beatles. Ela não vai dedicar atenção ao som, de qualquer jeito, mas ficar sozinha no silêncio parece amedrontador.Seu coração dispara. O tremor volta. Pânico. Pânico. Pâ. Ni. Co.

Abre a janela, o ar precisa entrar, pânico. Por que o ar não entra? Meu coração vai parar. Parar. Por que não pára? Não pára. Não está parando. Corre até o interruptor, acende as luzes. Vai enlouquecer, enlouquecer, o medo. Como parar o medo? Não funciona daquele jeito, não vai funcionar, não vai. Precisa funcionar, não faz sentido, mas...
Corre até a cozinha. Abre o armário de remédios, remédios, eles vão ajudar, vão ajudar, eles sempre ajudam, na hora, sempre...
As tarjas pretas a assustam, mas são necessárias. Dezenas delas, no armário, contrastando com toda a cozinha branca. Nada de preto era bom, preto não era bom nunca vai ser, nunca. Tudo branco, tudo claro, nada de escuro, nunca. Desesperada, pegou o primeiro copo que viu, encheu com uisque, os comprimidos sorriam pra ela, ela sorria pra eles, melancolicamente feliz. Coloca-os na boca. Bebe. Lennon berrava para Yoko na sala, ela ouvia, mas não ouvia? Como? Era um pesadelo. Não era.