segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Desilusão

Morreu lá mesmo na praça, os braços recolhidos, as mãos sobrepostas, um pouco torta. As folhas caídas sobre o busto e os insetinhos sobre a face úmida de um lacrimejar que ainda não parou desde que capitulara. Que sofrida a mocinha! Essa mocidade tão velha... O corpo jaz sobre o chão de madeira, continuará até então, ninguém ousa perturbar seu eterno sofrer, seu eterno lamento e ciúme. Mortificada. Foi numa tarde qualquer, de um ano qualquer, de uma semana qualquer, que ao lado de seu caro admirado, foi suspirando devagar até todo o ar dos alvéolos de seus pulmões sair e jamais adentrar novamente. Aos poucos o sangue não mais circulava e a face enrubecida se mostrava amarelada e fria sob o Sol. Apesar dos raios do meio dia, sua dor não se permitia aquecer; sem espanto ou comentário as pessoas passarão, sem sequer notar ou olhar para a morta. Pobrezinha! Existiu apenas. Ninguém deu falta, ela se esforçou mas continua ali, morta somente. O autor deseja ainda que ela simplesmente se levante.

Mentira

Chego em casa, passo a tarde fora, faço tudo errado quando assumo que o certo é uma coisa que não fiz. Errado. Nada de relevante,  nada de perigoso. Namorar, comer pelo menos três tipos diferentes de doces, comprar um livro diferente... nada demais. "Oi vó, demorei porque passei no mercado", passei mas é mentira. A verdade não dá. Outro dia, outra mentira, enchurradas de mentiras, fui ao cinema digo que fui à biblioteca, fui à biblioteca mas digo que fui à livraria, passei a noite escrevendo, digo que desenhei, como digo que não comi, não como digo que comi,  mentira,  mentira,  mentira. Mentira necessária, mentira desnecessária,  mas mentira, tudo mentira e eu prossigo mentindo. "Estava na vizinha", mentira, estava na rua. Fazendo o que? Andando. O que tem dizer? Não sei, mas minto. Pequenas grandes, grandes pequenas e mentiras. Vá estudar Direito, menina! Vou vózinha... Diz a verdade! Digo, mainha... Vou nada, digo nada, menti, minto, que arrependimento. Pra quê tanto medo, pra quê tanta mentira? Não sei (mentira), a cobrança e a responsabilidade, minhas células morrem e nascem, eu morro devagar, devagar mas morro, se amanhã digo a  verdade então enlouqueci. "Que acontece com a menina?! Que faço mais?!", ê mainha, é o peso da vida, se morro amanhã que digo a Deus? "Fiz errado em questão do que disseram ser certo porque o certo não é certo", taí a verdade, errado é agir como morto mas quem se convence? Ninguém. E eu sigo omitindo, ninguém se vale da verdadeira verdade da vida e felicidade, trabalhar: necessário; viver: necessário; ser: necessário. Sim, sim. Certo. "Passei a noite estudando!", passo a noite lendo Drummond, estou errada, Deus? "Minha menina e o cargo público?", meu Pai e as coisas pequenas da vida? "Minha menina, as responsabilidades!", meu pai, que falta de coragem! Não é de responsabilidade da criatura fazer-se feliz? "Minha filha, consegues ser feliz sem o capital?", meu querido, não eram assim os santos? "Minha ovelhinha, és um tanto doidinha!", enfim um consenso! para Deus não minto. Acho.